sábado, abril 23, 2005

O amor livre e os cães selvagens

Quando comparamos as relações sociais entre os humanos com as relações entre os animais, muitas vezes nos chocamos. Positivamente ou negativamente. Depende do caso. Mas essa é uma outra discussão.
Por enquanto vou ater-me a outros fatos. Antes vou falar de um grande acontecimento cultural que ocorreu nos Estados Unidos e que na verdade representa um marco no comportamento da juventude dos anos sessenta: o festival de Woodstock. Esse festival, além de reunir a nata do “rock’n roll” daqueles anos, contou com milhares de jovens que levavam um modo alternativo de vida. A preocupação deles era viver intensamente, promover a paz, construir e viver em comunidades alternativas e amar muito. Amar em todos os sentidos: espirituais e físicos. Neste ponto aliás haviam propostas de revolucionar as relações familiares tradicionais. Traduzindo: fazer amor era bem livre mesmo.Voltando à tese do início desse raciocínio, o que quero dizer é que muitas atitudes que considerávamos como “monopólio” da espécie humana na verdade não o são. Peguemos o exemplo do belíssimo cão selvagem das savanas africanas. Aliás, os antropólogos utilizam muito o modelo de sociedade dos selvagens caninos para estudar a organização do homem primitivo. Mas, voltemos novamente ao nosso assunto principal. Os cães selvagens das savanas africanas levam uma vida em comunidade. Caçam em equipe, dividem a comida, comem juntos, cuidam muito bem dos filhotes. É nesse ponto que as coisas tornam-se curiosas. Existem fêmeas e machos na matilha. Não há machos dominantes, isto é, não existe na matilha um que se sobressaia aos outros. A exclusividade na hora de transar simplesmente inexiste. Qualquer macho pega qualquer fêmea, sem problemas. Hoje é uma, amanhã fica com outra, e assim vai. Os filhotes de uma fêmea podem ser de quaisquer um dos machos do bando. Não há problema. São como se fossem filhos de todos. Já viu amor mais livre que esse? Definitivamente não foi inventado pelos “hipies”.

Basebol - porque amo esse jogo

Basebol – Por que amo esse jogo

Vou começar com uma discussão semântica. Basebol, na verdade, deriva de um substantivo da língua inglesa: “baseball”. Basebol é um jogo criado pelos americanos. Não sei bem ao certo como e quando (vou verificar para uma outra história). Essa discussão, aliás, demonstra meu total desapego a velharias como o imperialismo americano, etc e tal. Voltando à semântica, optei por basebol ao invés do beisebol brasileiro e o baseball americano. Mantive a pronúncia “beise” americanizando o “base”, mas optei pelo “bol” (corruptela de bola), ao invés do inglês “ball”. Acho que dessa forma demonstro de certa forma o que é esse esporte. Criado pelos norte americanos, amado pelos centro americanos, colombianos, venezuelanos e japoneses. Claro que perde de lavada para o futebol. Mas esse é “hour concour”. A palavra basebol em si é a conjunção de parte inglês, parte latino. Se preferirem o nacionalismo cheio de “teias de aranha”, podem pronunciar o basebol – como se lê.
Chega da palavra, voltamos ao âmago da questão. O basebol é um esporte emocionante, cerebral. Não vou falar sobre regras, porque nossa conversa vai ficar uma chatice. Um jogador necessita gerenciar situações de crise várias vezes no jogo – um arremesso, uma rebatida, uma corrida – antecipar movimentos do adversário, raciocinar logicamente em frações de segundo. Além disso, os atletas parecem pessoas normais. Alguns são meio gordinhos, baixinhos, mascam fumo, bebem, não fazem dieta, enfim, fogem dos padrões do “fitness”. Parecem pessoas “normais”. Os grandes craques têm cara de “chicanos” ou hispânicos, isto é, são sulamericanos, centroamericanos (dominicanos, cubanos, nicaragüenses, portorriquenhos, etc.). Já viu algum esporte com destaque para estas nações? Também foi abraçado pela “determinação japonesa”. Tanto na terra do sol nascente, como aqui, pelos descendentes. Os japoneses sabem porque é bom. Incentivam as crianças desde cedo a participarem deste jogo. Há espaço para atletas, jogadores de finais de semana, treinadores, pais, mães e avós. Envolve a família na formação da criança.Para os aficcionados por um evento esportivo acompanhado de uma saborosa cerveja, o basebol é como assistir a cobranças de pênaltis. Saia da mesmice e tente. Pode parecer ruim no começo. Depois você se acostuma. Mais um tempo, você não fica sem. Amo esse jogo.

O Trem Azul

Este pequeno texto escrevi em 1999, quando ouvia Elis no carro. Lembrei-me de sua morte novamente em 2002, quando completou 20 anos. Mas parece que a alegria voltou. Ouvi Maria Rita, sua filha, cantando por estes últimos anos. É a nova Elis. Talvez a evolução dessa espécie rara.

Estava eu indo ao trabalho de carro numa fria manhã. Tudo estava sob controle. Como de costume, eu ouvia músicas. De repente, entrou um especial da formidável “Pimentinha”. Faixa após outra, fiquei atento ao trabalho desta notável da MPB. Com que clareza e beleza a melodia flui através de sua voz! Elis é pura emoção. Vive o enredo enquanto canta. É uma artista que dá uma qualidade superior às músicas que interpreta. Fiquei pensando também como Elis marcou uma geração por seu jeito simples, direto e intenso de viver. Numa época em que a liberdade de expressão fora banida pela força, suas declarações bombásticas representaram a voz de milhões. Neste instante, começou a tocar “Arrastão”. Essa música, em particular, tem o poder de emocionar-me. Tenho algumas explicações para isso. É uma energia poderosa que percorre meu córtex. “Arrastão” é como um ato de uma ópera grandiosa. E a interpretação de Elis é maior do que a própria música. Com os olhos marejados, lembro-me com muita saudade do sorriso rasgado de Elis. Saudade com uma ponta de sentimento de injustiça. Com que direito Elis fora partir assim, privando-nos dos prazeres de sua voz? Creio que esse sentimento acontece porque Elis se foi no auge. Se bem que não me lembro da “Pimentinha” ter tido outra fase a não ser o auge. Só sei que a melhor homenagem que posso prestar a Elis, é continuar emocionando-me, quantas forem as vezes que a ouvir. Acho que esse era o seu objetivo.

sábado, abril 02, 2005

Traduzir-se

Língua Portuguesa

Sou apaixonado pela língua portuguesa. É sonora, estética, prolixa e tem uma legião de grandes escritores. A melhor maneira de conhecer a alma de um povo e conhecer sua língua. As pessoas que falam o português, sejam europeus, africanos, sulamericanos, asiáticos e outros, parecem ter uma mesma pátria. Nossa língua que nos une.Em homenagem a todos que falam e admiram nosso idioma, transcrevo abaixo meu poema favorito, de Ferreira Gullar, que já foi musicado por Fagner, no Álbum Traduzir-se. Uma jóia:

TRADUZIR-SE

Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem.

Traduzir uma parte na outra parte --- que é uma questão de vida ou morte --- será arte?

Fracasso ou sucesso

José Carlos – ou Zé – era um menino comum. Aparência franzina, sem atrativos físicos, mas aplicado nos estudos (foi o que lhe sobrou). Tinha uma queda pela garota popular da escola, que nem sabia que ele existia. Também achava a professora de inglês o máximo – um sonho de consumo. Gostava quando ela lhe dava atenção. Puxa vida! Mas tinha tantos outros caras mais legais do que ele, fortes e cheios de “minas”! Olhava-se no espelho todas as manhãs e não gostava do que via. Mas enfim, era ele. Alguma auto-estima havia...
Nos campeonatos esportivos da escola era invariavelmente do time dos “mocorongos” (alcunha que significava bobo e fraco ao mesmo tempo). Num campeonato escolar de futsal, ficou nesse time dos excluídos. Estas competições mexem com a masculinidade do menino adolescente. Os melhores, os mais fortes, vencem. Talvez consigam mais atenção da professora de inglês e possam sonhar com a garota popular. Infelizmente não foi dessa vez para José. Apesar da luta, o time dos “café-com-leite” ficou num previsível último lugar. José sentira, o gosto amargo da derrota. Parecia que nada dava certo. Não ficou para assistir a glória dos vencedores. Saiu da escola rapidamente. Chegou em casa, entrou em seu quarto, esticou-se na cama e chorou em silêncio. Acreditava que não tinha razões para continuar “uma carreira esportiva” fracassada. Prometeu a si não envolver-se mais com estes assuntos....
Os dias passaram-se. José teve tempo de esfriar sua cabeça. Pensou nas razões de sua derrota. Resolveu tomar algumas providências. Passou a treinar um pouco. A envolver-se em jogos na rua, além da dedicação aos estudos. Não tinha habilidades espetaculares. Era esforçado.
Uma nova chance aparecia. O próximo campeonato escolar de futsal! Bom, as lembranças do último não eram lá muito boas. Mas, agora José parecia melhor. A derrota passada já não doía tanto. Sua condição de excluído, entretanto, ainda não era muito diferente em relação ao ano anterior. O time parecia melhor. Não tinha ainda nenhum dos “grandes caras”. Mas surpreendentemente foi despachando um-a-um os concorrentes.
Sobrou na final o melhor time contra o time de José. Parecia que o “Exército de Brancaleone” multiplicava-se na quadra. Neste dia, José desdobrou-se. Inclusive abriu a contagem numa jogada simples. Nada de firulas. Era uma final.
O outro time empataria e o jogo iria para a prorrogação. Porém, um chute seco selou a sorte do time de José. Mais uma vez o odor da derrota impregnava o ar. O céu desabara sobre sua cabeça. Conseguiu conter-se. Como um guerreiro vencido, levantou-se e assistiu seus algozes serem premiados. Incrível como agüentou aquilo tudo. Parecia que alguma coisa tinha sido diferente...Saiu. Foi para casa devagar. Entrou em seu quarto e esticou-se na cama. Tentou conter-se. Não deu. Mais uma vez chorou em silêncio.
Um ou dois campeonatos mais, e o time de José conseguiria ganhar alguma coisa. Não me lembro bem. Depois tocou sua vida e construiu muitas coisas boas no futuro.
Mas tudo isso não é o mais importante. O importante é que vencedores geralmente foram “grandes fracassados” como José. Invariáveis perdedores.
Estamos acostumados a ver o sucesso e o fracasso como acontecimentos absolutos. Não são. São contextualizados, adequados ao tempo e espaço. O fracasso é mais comum do que se imagina. O sucesso é efêmero. Não é um culto de minha parte à “fracassomania” – como diria Fernando Henrique Cardoso. Mas, saber lidar com a frustração da derrota é um ingrediente essencial para forjar vitórias. Algumas vitórias não são tão evidentes como as que são premiadas com troféus. Parecem fracassos. Não são.